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Fluir docemente

Se, ao final desta existência,
Alguma ansiedade me restar
E conseguir me perturbar;
Se eu me debater aflito
No conflito, na discórdia…

Se ainda ocultar verdades
Para ocultar-me,
Para ofuscar-me com fantasias por mim criadas…

Se restar abatimento e revolta
Pelo que não consegui
Possuir, fazer, dizer e mesmo ser…

Se eu retiver um pouco mais
Do pouco que é necessário
E persistir indiferente ao grande pranto do mundo…
Se algum ressentimento,

Algum ferimento
Impedir-me do imenso alívio
Que é o irrestritamente perdoar,

E, mais ainda,
Se ainda não souber sinceramente orar
Por quem me agrediu e injustiçou…

Se continuar a mediocremente
Denunciar o cisco no olho do outro
Sem conseguir vencer a treva e a trave
Em meu próprio…

Se seguir protestando
Reclamando, contestando,
Exigindo que o mundo mude
Sem qualquer esforço para mudar eu…

Se, indigente da incondicional alegria interior,
Em queixas, ais e lamúrias,
Persistir e buscar consolo, conforto, simpatia
Para a minha ainda imperiosa angústia…

Se, ainda incapaz
para a beatitude das almas santas,
precisar dos prazeres medíocres que o mundo vende…

Se insistir ainda que o mundo silencie
Para que possa embeber-me de silêncio,
Sem saber realizá-lo em mim…

(Hermógenes)

43 pessoas

Desejar bom dia é difícil? Não por cumprimentar apenas, ato “maquinado”, automático,  mas desejando com suas tripas que o outro tenha um bom dia.  Esse acho que é difícil…

Alguns momentos não lembramos nem de nós em nosso egoísmo. Que paradoxo! Seria apenas a ocasião dos olhos do coração fechados? Quando necessitamos algo, ajuda em termos de saúde, apoio, carinho, uma palavra, esquecemos que enfrentaremos – num sentido de estar em frente de – o nós. Acontece entre o eu e o aquele do qual estou precisando. Mas o outro precisa de nós para ser também, para saber de seu potencial de ajuda.

Imaginem um posto de saúde onde todos que precisam de ajuda, atendimento médico e cuidado, talvez pela enfermidade, esqueça que o outro vai atender. Tá! Mas imagina que uma pessoa o dia todo, ali, ajudando, não recebe um bom dia, um boa tarde, ou apenas um olhar de compreensão por trabalhar em condições nada favoráveis, mas ali está…

Que o diga, D. Eleonora! Personagem de uma história de 44 pessoas, contando com ela. Depois de 42 pessoas passando por suas mãos, apenas o 43º lhe deseja um bom dia de chegada. Ela assume: “Você acredita que é o primeiro a desejar bom dia hoje?” Eram 11 horas, e ninguém sequer se importa, ou se conecta com o outro quando precisa. E continua: “É assim todo dia e todo o dia!”. Isso ocorre todos os dias com milhões de invisíveis que passam ao nosso lado. Observamos as pessoas passarem, mas simplismente passarem, como uma coisa, um corpo a mais a passar. Não há necessidade de colapsar a exitência e fazer reverência a tudo e todos, mas o fato de saber que se é mais um, tanto quanto outros.

O número de pessoas não importa, o relato de D. Eleonora tampouco, mas o fato é…

O bom dia que sai de sua boca, sai de sua alma? É um desejo de bom dia, ou mais um automação social que foi institucionalizada?

Dali, daqui, de lá

In voluptas mors - Salvador Dali e Philippe Halsman

Eu me formo de outros eus.
Quem somos eu?